segunda-feira, 22 de agosto de 2011

A CBC

A CBC, Companhia Brasileira de Cartuchos, é uma empresa presente no cenário brasileiro há cerca de 70 anos. Ela é oriunda da antiga F.N.C.M, Fábrica Nacional de Cartuchos e Munições, fundada pelos imigrantes italianos Costabile e Nicola Matarazzo. A F.N.C.M. foi uma empresa historicamente importante para o Estado de São Paulo, pois na época da Revolução Constitucionalista, foi a fornecedora dos cartuchos utilizados pelas Forças Revolucionárias do Estado. Nessa oportunidade, saíam desta fábrica cerca de 30.000 cartuchos de calibre 7X57mm Mauser, por dia. Em 1936 a empresa teve seu controle acionário transferido para a Remington Arms, tradicional empresa norte-americana de armas e munições. Em 1953, a CBC inicia no Brasil a fabricação dos cartuchos de fogo circular calibre .22, nas versões curta e Long-Rifle (LR).

Cartuchos cal. 22LR fabricados pela CBC. O da direita é da época do início da produção destas munições no Brasil.

Sua produção atingia a marca de 2,5 milhões de cartuchos por ano. O calibre .22, pela sua baixa complexidade e baixo custo de fabricação, é o calibre mais utilizado no mundo nas áreas de tiro esportivo e caças pequenas. Por ser provido de sistema de ignição circular, mundialmente conhecido como “rim-fire”, não utiliza espoleta externa e com isso a construção do cartucho é muito mais simples e menos dispendiosa. Com isso, é também o cartucho de arma de fogo mais acessível, economicamente.

As carabinas Impala modelos Máster 422 e Match-Master 322, de cima para baixo.

Com a popularização do uso deste calibre em tiro esportivo e de diversão (plinking) e no rastro de outras empresas nacionais que lançaram armas leves para essa finalidade, a CBC entra, na década de 60, no mercado de fabricação de armas com modelos que fizeram sucesso, como os rifles semi-automáticos modelo 66 Nylon, na verdade um modelo oriundo da Remington, e as carabinas da linha 122, de repetição por ação de ferrolho.

Porém, uma lacuna ainda existia no mercado; as carabinas fabricadas pela Rossi, empresa localizada no Rio Grande do Sul e da CBC, em São Paulo, não atendiam muito bem as exigências do atirador do tiro esportivo mais sério no calibre 22, que até então tinha que importar essas armas de fabricantes que ofereciam modelos mais refinados.

Pensando nesse nicho de mercado, justamente na faixa de atiradores praticantes das provas de carabinas .22 com alvos posicionados a 25 metros, a CBC resolve, em 1983, lançar uma nova linha de carabinas esporte, a que deu o nome de Impala. Essas armas possuíam, na verdade, uma ação de ferrolho derivada do rifle modelo 122, com ligeiras modificações, mas com um sistema de gatilho totalmente novo e mais elaborado. Dois modelos foram apresentados: o modelo Match-Master 322 e o Master 422. A diferença que mais se destacava entre eles era o desenho do cano e o do carregador. O 322 era oferecido com um cano bem mais pesado, estilo “bull-barrel”, pesando só o cano 1,760 Kg e com carregador para seis cartuchos embutido na coronha. O 422 possuía o cano mais leve, com um peso de 1,280 Kg, menos espesso, e seu carregador com capacidade de 10 tiros, podia ser retirado através de uma abertura na parte inferior da coronha, bem ao estilo dos modelos 122. Porém, no 422 pode-se carregar com o magazine removido da arma; no 322, a carga de cartuchos só pode ser feita com a culatra aberta, inseridos um a um no carregador que não é removível. O magazine aceita munições calibre 22 em três tamanhos, Curta, Longa e Long-Rifle.

Pela faixa de preço em que se situavam os dois modelos, bem acima da média das demais carabinas do mercado na época, e pela pequena diferença existente no valor entre as duas versões, era de se supor que o modelo 422 não seria tão bem aceito quanto à sua versão mais cara. Esse detalhe até hoje é percebido, quando se observa a presença praticamente unânime dos 322 nos estandes de tiro. Por esse motivo, vamos nos dedicar neste artigo, especificamente, sobre o modelo 322 “Match-Master”.

A Impala modelo Match-Master 322 (Arma e foto do autor)

A coronha, em estilo Monte-Carlo, é surpreendentemente bem acabada e balanceada para uma arma nacional. Além de estar provida de um amortecedor (recoil-pad) de borracha na soleira, do tipo ventilado, a empunhadura do tipo pistola é trabalhada com um acabamento antiderrapante, granulado, de cor preta, dando à arma um aspecto bem chamativo e sofisticado. As últimas versões desta arma foram fornecidas com soleiras de metal dispondo de regulagem de altura. O guarda mato, apesar de ser feito em plástico, possui um acabamento externo ranhurado, antideslizante, e o perfil da coronha o acompanha até a parte inferior. Com isso, além de baixar mais o ponto de apoio para as mãos do atirador, dá à arma uma aparência imponente e robusta. No fuste, parte inferior ao cano, há um trilho de alumínio, muito bem usinado, fixado com parafusos, que permite a instalação de um suporte para bandoleira, com um “knob” em alumínio zigrinado, fornecido como padrão. Dessa forma, a bandoleira poderia ser ajustada no comprimento com muita facilidade. Esse trilho serve também para se adaptar outros acessórios como “champignon”, contra-pesos, etc. Retirando-se o conjunto cano e culatra, fixados por dois parafusos, verifica-se que há cavidades na coronha especialmente feitas para a colocação de pesos. O mesmo se verifica na parte posterior, acessível com a retirada da soleira. Pode-se desta forma, balancear melhor a arma de acordo com a preferência do atirador. Por experiência própria, o autor adicionou cerca de 300gr. de chumbo ao alojamento traseiro da coronha, conseguindo com esse peso, o ponto de equilíbrio na região da culatra. A arma utiliza o sistema chamado de cano flutuante, ou seja, o mesmo é fixado tão somente à culatra da arma e não toca a coronha em nenhum ponto; portanto a vibração normal do cano por ocasião do disparo não é transferida para a coronha, bem como o cano não sofre com possíveis e mínimas deformidades, oriundas da madeira.

Os elementos de pontaria eram um ponto fraco da arma e a CBC procurou, com o tempo, minimizar esse problema lançando alças de mira mais sofisticadas nos modelos posteriores. Em todos os casos, a massa de mira é do tipo túnel, montada sobre duas canaletas usinadas no cano, podendo ser facilmente removida. O túnel possui um anel rosqueado, que possibilita a retirada e a troca do tipo de retículo ou massa que se deseja. A alça de mira, no entanto, deixava a desejar, e muito, por ocasião das primeiras armas fabricadas.

Modelo preliminar de alça de mira

Modelo posterior, com regulagens clicadas em ambas as direções.

Na verdade era a mesma alça de mira usada nas carabinas de ar comprimido 245 e 345 da CBC, muito simples, embora com correção lateral e vertical. Pecavam, porém, por não serem do tipo clicadas e sim, com ajustes contínuos, o que dificultava o acerto com precisão. Felizmente a CBC lançou, paralelamente, e à venda primeiramente como acessório, uma alça de mira bem superior, com ajustes clicados em ambas as direções, o que finalmente deu à arma um aparelho de pontaria mais preciso e de acordo com a sua finalidade.

A culatra possui na sua parte posterior, sobre a abertura de ejeção, ranhuras usinadas de dimensão padrão para a montagem alternativa de lunetas telescópicas ou outros sistemas de pontaria. Para isso, a CBC também apresentava opcionalmente um sistema de “peep-sight” interessante e facilmente adaptado. Devido à altura maior do sistema, era necessário a instalação de um extensor feito em alumínio, fornecido, para se elevar a massa de mira. De modo geral esse aparelho era bem construído. Ajustes milimétricos clicados com escala de ajuste (não muito precisa), e fornecimento de dois discos (dióptros), um com orifício de 1,0mm de diâmetro e outro de 1,4mm. Além disso, acompanhava um disco maior de borracha para ser aplicado aos dióptros, servindo como proteção e apoio mais confortável ao olho. Infelizmente esse sistema de dióptro se torna um tanto inútil, em virtude de que as provas de competição oficiais para carabinas 22, para alvos a 25m, exigem miras abertas e não permitem sua utilização e, claro, passa longe dos atiradores sérios a intenção da Impala poder ser utilizada em provas de 50m, onde ela teria que competir com carabinas importadas de categoria incompatível.

O dióptro opcional na sua caixa original e em detalhe

O ferrolho, como já dito antes, era basicamente o mesmo dos rifles 122. O desenho e manejo está um pouco longe de ser considerado perfeito. Muitas peças móveis, uma certa fragilidade na construção da alavanca de manejo e uma desmontagem muito demorada e complicada, que lança mão de um arame de aço para que seja feita a fixação da parte posterior ao corpo do ferrolho. Esse corpo não possui movimento rotativo (como nas ações dos fuzis Mauser); o que executa o trancamento da culatra é um ressalto existente, e a própria alavanca em si. O percussor é exposto pela parte inferior, o que permite facilmente a entrada de sujeira. O sistema permite que a arma seja engatilhada somente com o movimento de se erguer e baixar a alavanca, o que é bem prático. Como sinalização de segurança, uma vez engatilhada a arma, um pino dotado de um anel vermelho fica exposto na parte posterior, facilmente visível ao atirador. A trava manual fica do lado direito, em local cômodo, mas não atua diretamente no ferrolho, e sim, no sistema de gatilho. Não é uma trava eficiente a ponto de evitar um disparo acidental em virtude de um impacto maior recebido na arma. A maneabilidade do ferrolho não é ruim, mas é um pouco áspera quando se compara a modelos importados, mais refinados. Há um jogo de finas arruelas de aço, servindo como espaçadores, na junção da alavanca com o corpo do ferrolho que, com o tempo, sofrem desgaste e podem começam a roçar na armação da culatra. A extração é feita através de dois extratores fixados por uma mola de aço em forma de braçadeira. Mesmo com muito uso e excesso de resíduos de pólvora, é difícil a ocorrência de cartuchos que não conseguem ser extraídos. O ejetor é bem posicionado e expulsa de forma eficaz e para longe, o cartucho detonado.

Culatra aberta onde se vê o pino traseiro do ferrolho, sinalizador de arma engatilhada.

O sistema de gatilho é uma revolução, em se tratando de uma carabina para uso em provas não olímpicas, feita no Brasil. Claro que, comparado a sistemas mais sofisticados, encontrados em armas para uso de competição feitas principalmente na Europa, deixa bastante a desejar. Porém, justiça seja feita: para a finalidade a que essa arma se destina, é um aparelho de muito bom projeto. Pela primeira vez no Brasil se tem uma arma com possibilidade de ajuste múltiplo, tanto na pressão, tamanho do curso e posição da tecla.

Funcionamento do sistema de gatilho da carabina Impala. O parafuso 1 regula a sensibilidade, o 2 regula a pressão da mola de retorno (peso do gatilho) e o 3 ajusta a posição lateral do gatilho. A peça cilíndrica, ao alto do desenho, é o percussor, que neste esquema se desloca da direita para a esquerda.

Medições feitas indicam a possibilidade mínima de ajuste de pressão em torno de 250 a 300 gramas, podendo chegar a um máximo de 1,200 gramas. Apenas como comparação, algumas carabinas para uso em competição de nível Olímpico podem ter ajustes mínimos na casa de 20 a 30 gramas. Porém, em carabinas para a finalidade que se destina a Impala, a pressão do gatilho é suficientemente leve. A tecla do gatilho pode ser ajustada, através de um parafuso, de forma a incliná-la para qualquer um dos lados ou deslizá-la no sentido longitudinal, regulando a distância em relação ao comprimento do dedo do atirador. Pelos dois orifícios situados na parte inferior do guarda-mato pode-se, com o uso de uma chave de fenda, fornecida como acessório, regular a pressão da mola do gatilho e a sensibilidade do disparo. Esse último parafuso fica, entretanto, numa posição muito desconfortável para acesso. A regulagem da sensibilidade do gatilho pode ser feita da seguinte forma: coloca-se um cartucho detonado na câmara e fecha-se o ferrolho. Em seguida, introduz-se uma chave de fenda pelo orifício e gira-se o parafuso no sentido horário, até o disparo da arma. Em seguida, volta-se o parafuso de 1/4 a 1/2 volta no sentido anti-horário e experimenta-se a pressão nesta posição. Nunca se deve deixar esse ajuste demasiadamente sensível sob risco de se obter disparos acidentais.

Vista inferior do guarda mato com os dois orifícios para a entrada de chave de fenda reguladora de pressão e sensibilidade. Note o parafuso lateral da tecla do gatilho que possibilita a sua regulagem lateral e de distancia. O furo mais perto do parafuso de fixação do guarda mato à coronha, acessa a regulagem de sensibilidade do disparo e o furo mais posterior acessa o ajuste da pressão da tecla do gatilho.

Detalhe da boca do cano e do túnel da massa de mira.

Abaixo seguem as características dos modelos Impala:

Características

Match Master 322

Master 422

Comprimento do cano

666mm

666mm

Comprimento total

1100mm

1100mm

Peso do cano

1,760 Kg

1,280 Kg

Peso total

4,360 Kg

3,400 Kg

Capacidade

6 tiros

10 tiros

Distância entre miras

600mm

600mm

Número de raias

6

6

Passo das raias

406mm

406mm


Um dos acondicionamentos mais utilizados pela CBC para essas carabinas era uma caixa de isopor, com os encaixes internos para a arma e acessórios, moldada em duas partes. Envolvendo essas metades, uma capa de nylon com zíper e alça para transporte. Os acessórios que acompanhavam a arma, de série, eram o suporte para bandoleira, dois espaçadores, duas chaves de fenda para desmontagem e ajustes, selos promocionais da Impala e da CBC, uma flanela personalizada e o manual com instruções e vista explodida.

Embalagem original em isopor moldado – note que a arma é guardada sem o ferrolho.

Embora o peso da 322 possa parecer excessivo, com seus 4,400 Kg, desde que corretamente posicionada, a arma pode ser utilizada por atiradores jovens sem qualquer dificuldade, com a vantagem da boa estabilidade obtida com seu equilíbrio perfeito.

Embora o peso da 322 possa parecer excessivo, com seus 4,400 Kg, desde que corretamente posicionada, a arma pode ser utilizada por atiradores jovens sem qualquer dificuldade, com a vantagem da boa estabilidade obtida com seu equilíbrio perfeito.

Conclusão: o autor é proprietário de uma Impala do modelo Match-Master 322, adquirida nova no ano de 1984. Essa arma conta hoje com aproximadamente 3500 tiros. A conservação sempre foi levada a sério, com limpeza parcial após a utilização em treinos e competições, e uma limpeza mais abrangente com desmontagem parcial a cada 6 meses. Utilizando-se munição sempre nova, das marcas Eley, CBC, Remington e Lapua, pode-se afirmar que a incidência de falhas por nega é raríssima. Falhas de alimentação e ou ejeção são também muito raras. A regulagem de sensibilidade do gatilho possui um limiar onde o disparo acidental pode ser possível. Em alguns casos de ajuste nesse nível, a arma recusa-se a engatilhar durante o manejo, ou seja, o percussor é liberado no ato de trancamento do ferrolho. Porém, o disparo acidental, nesses casos, é impossível pela própria construção do ferrolho. Isso é resolvido, simplesmente, por cerca de ¼ de rotação do parafuso de ajuste, no sentido anti-horário.

Detalhe do bonito e eficiente acabamento “anti-derrapante” do punho tipo pistola. O pequeno pino que se observa na parte posterior do gatilho é uma adaptação feita pelo autor, possibilitando a regulagem do curso de escape do gatilho após o disparo. (Foto e arma do autor)

O grupamento observado durante todos os anos de uso, praticamente não se alterou. O cano continua em estado de novo, não se notando desgaste de raiamento. Enfim, trata-se de um produto nacional com qualidade condizente com sua aplicação, com alguns pontos que poderiam ter sido melhorados no decorrer da produção. A linha Impala foi desativada pela CBC em 1993, com cerca de 4.000 armas produzidas. Sem dúvida, de lá para cá, nenhum outro fabricante brasileiro, nem a própria CBC, lançou uma carabina esporte tão bem construída que superasse a Impala. A lacuna pois, permanece, infelizmente deixando muitos praticantes deste tipo de tiro sem muita escolha e opções no mercado.

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